domingo, 16 de setembro de 2012

A HORA DO LOBO, de Ingmar Bergman (Vargtimmen, 1968)


O cineasta sueco Ingmar Bergman tornou-se notório em sua arte graças a dramas existenciais como Morangos Silvestres, Através do Espelho, Persona etc.

Delírio e loucura tiveram espaço cativo em sua filmografia. Tal território já fora explorado por Bergman em diversos momentos e sua abordagem mais tenebrosa e definitiva se dará em A Hora do Lobo (1968).

Um pressuposto do filme é o de que duas pessoas vivendo juntas por muito tempo tendem a compartilhar características de personalidade. Algo apenas pouco diferente do que se vê em Persona (1966). Por isso considero ambos como “filmes meio-irmãos”.

O pintor Johan (Max von Sydow) e sua esposa grávida, Alma (Liv Ullmann), se mudam para uma ilha. Isolam-se. Bom, é o que eles tentam, pois alucinações como a “senhora de chapéu” e o “homem-pássaro” o incomodam cada vez mais. E Alma também as vê.

São convidados para jantar no castelo dos Merkens. Anfitriões e demais convidados se revelam as bizarras alucinações de Johan. O artista será tragado pelo peso do passado, sob a forma de uma antiga amante (Ingrid Thulin), e pela loucura. Viagem sem volta?

Independente de resposta, A Hora do Lobo é uma incursão importante de Bergman nos medos mais profundos de um ser humano. Um clássico marcante do terror psicológico.


CURIOSIDADE: Em 1974, seis anos depois do filme de Bergman, Max von Sydow voltará a mergulhar na loucura, num papel muito semelhante. Trata-se da adaptação de O Lobo da Estepe, um dos melhores livros de Hermann Hesse. O filme foi dirigido por Fred Haines. Max dará vida ao misantropo Harry Haller e encarará as situações mais insanas a cada atração do Teatro Mágico (não, não é a banda!).

Alessandro de Paula
@palavratomica



terça-feira, 3 de janeiro de 2012

HEROSTRATUS, o pesadelo que nunca finda


Único longa-metragem de Don Levy, este filme britânico de 1967, ano em que o mundo da arte fervia em função de experimentalismos, principalmente na música, com a despirocada genial dos Beatles em Sgt. Peppers e o surgimento daquela banda insana que costumamos chamar de Pink Floyd, entre outros exemplos, e no cinema, porque, na França, Godard já sedimentava seu experimentalismo explosivo pouco afeito a questões de materialismo/status, mesclando política e dramas espetaculares com toques de nonsense e mais milhões de referências artístico-culturais, enquanto no Japão toda uma nova geração de diretores pirava em contos cruéis de uma juventude cada vez mais inspirada em um modo de vida ocidental (tudo bem que o filme do Nagisa Oshima é de 1960, mas não me parece antinatural citá-lo aqui como um marco do que estava acontecendo no cinema japonês dos anos seguintes).

Mas vamos a Herostratus, o filme, que é baseado na lenda de Heróstrato, um cara que resolve incendiar o templo de Diana, em Éfeso, para conquistar fama em nível mundial. 

Pesadelo sensacional, no qual você se encontra perdido no que está acontecendo e no que é reminiscência ou delírio. Está tudo ali: a inconformidade da personagem principal com o status quo, algo que ele mesmo nem sabe tão bem como expressar, a despeito de ser poeta (ser poeta não é garantia de definir os próprios sentimentos, não? É muito natural escrever mais sobre dúvidas, conflitos, do que certezas); essa sensação de que o mundo está enlouquecido (e está, mesmo agora!) e de que não cabe mais nele. Sim, nosso protagonista Max é este tipo um tanto quanto egocêntrico, não ignoremos isto.

Tudo o que Max (Michael Gothard) queria era matar-se. Mas não um suicídio comum. Queria que fosse um ritual que todos pudessem ver. Sua autoimolação como espetáculo de negação de um mundo espetacular. Para tanto, busca uma agência de publicidade, mas logo percebe que o "grande evento" não acontecerá da forma como previa, afinal, Farson (Peter Stephens), aquele homem gordo feito uma porca, exalando poder e arrogância, que se acostumou a ditar as regras via mídia não aceitaria abrir mão do poder de direcionar qualquer evento de acordo com os próprios interesses.

No meio do caminho, há tempo para uma atração carnal, talvez paixão. O que apenas confunde mais as coisas para Max. Em contrapartida, a garota, Clio (Gabriella Licudi), parece sempre saber o que significa tudo o que está acontecendo. Manipula e é manipulada, pois sua perspicácia não é suficiente diante da brutalidade do chefão Farson. Ela tem seu jogo, mas também joga o jogo de outro em determinados momentos. 

Visualmente, é um filme riquíssimo, belo e assustador, inquietante, pesadelo do qual se quer sair, mas instiga a continuar lá, mesmo depois de quase duas horas e meia de filme. Cito, por exemplo, o contraponto feito entre as imagens de uma garota fazendo striptease e outras, de um "destrinchar" de animais em um matadouro. Ou o momento de Helen Mirren, estreante em filmes, em toda sua gostosura juvenil, que está num estúdio gravando uma peça publicitária de belas luvas plásticas (ou de borracha?) alaranjadas que-você-precisa-ter-ou-presentear-alguém-com-elas, peça devidamente interrompida pelo nosso "herói", que a "sequestra", impedindo a conclusão da gravação.

E, já que falei em jogos, devo dizer também que, obviamente, não podemos esperar que a história de Herostratus tenha vencedores. Tanto não tem, que poderia ser produzido hoje, pois a insanidade do mundo contemporâneo não é diferente da do mundo nos anos 60. 

Aos valentes, o pesadelo que nunca finda.

Alessandro de Paula
@palavratomica